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Nutrição sénior – Revista Viver Saudável
Partilhamos convosco a entrevista da Revista Viver Saudável à nossa nutricionista, no mês de agosto do ano de 2019, que relata um pouco do que é a sua experiência profissional junto da população idosa.
- Que cuidados especiais, no dia-a-dia, esta população exige?
Dados do estudo Nutrition UP 65 indicam-nos que 83,2% dos idosos têm excesso de peso ou obesidade; 16,1% estão desnutridos ou em risco de desnutrição; 84,9% ingerem sal em excesso; 16,3% estão hipohidratados e 69% têm défice de vitamina D. Assim, toda a nossa atuação deve focar-se em inverter este panorama.
Para tal, devemos atender a que, por se tratar de uma população mais vulnerável, torna-se fundamental durante todo o processo adequar as estratégias a adotar e para isso usar um discurso mais cuidadoso, com vista à criação de empatia com o idoso.
Devemos ainda salientar a importância da monitorização constante de alterações fisiológicas, patológicas ou neuropsicológicas na população sénior, que condicionam o seu estado nutricional e, por sua vez a terapêutica prescrita pelo nutricionista. - Lares de Idosos e Centros de Dia: quais as principais dificuldades dos nutricionistas que trabalham nestas instituições? Porquê?
Por sermos uma classe profissional maioritariamente jovem, muitas vezes somos vistos pela população idosa como profissionais que não lhes irão transmitir nada de novo. Além disso, a prescrição de hábitos alimentares distintos daqueles que perduraram durante vários anos traz, por vezes, alguma desconfiança nesta população. Verifica-se ainda alguma resistência por parte de profissionais que trabalham na instituição há vários anos (assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, médicos, auxiliares de ação direta, …), pelo facto de não considerarem necessário ou benéfico algumas das nossas orientações.
Por outro lado, a meu ver acompanhar as alterações no estado nutricional de todos os utentes pertencentes aos lares e centros de dia pode, em certos casos, ser um pouco complexo. Tanto pelo elevado número de idosos que se encontram nas instituições, como pelo facto destes rapidamente se encontrarem mais debilitados, o que poderá acarretar cuidados nutricionais específicos. Este cenário poder-se-á agravar, quando pensamos em instituições que para além de lar e centro de dia reúnem ainda outras valências, como creche, infantário e CATL. Desta forma, o nutricionista pode ser responsável pela alimentação de mais de 500 indivíduos, entre utentes e colaboradores.
Por último, a elaboração de ementas implica ir de encontro às necessidades nutricionais, às preferências alimentares dos idosos e colaboradores e à gestão de recursos laborais e económicos da instituição. - E quais as soluções para ultrapassar esses obstáculos?
Em primeiro lugar, remetendo para a resistência sentida pelos idosos, devemos ressalvar que quando queremos modificar algo na sua alimentação, é necessário explicar-lhes a importância das mudanças que tencionamos introduzir, tendo sempre em conta a sua opinião e esclarecendo que têm livre-arbítrio. Além disso, tentar, tanto quanto possível, ajustar a intervenção nutricional às suas preferências alimentares; atentar a que, por vezes, se torna incapaz seguir à risca todas as recomendações; analisar caso-a-caso a situação económica, social e clínica do idoso; e, ter sempre em consideração, que os procedimentos deverão ser realizados gradualmente são parâmetros fundamentais na nossa ação com a população idosa.
No que respeita à resistência de outros profissionais, devemos considerar as suas opiniões mas, apresentando sempre as nossas perspetivas, a par da evidência científica. A formação de colaboradores e idosos para a importância de uma alimentação mais saudável pode ainda facilitar o nosso trabalho, enquanto nutricionistas.
Por outro lado, quando trabalhamos em entidades com um número elevado de pessoas é essencial ter também um plano de atividades bem definido, por forma a permitir o acompanhamento de todos os utentes. Além disso, constituir uma boa forma de comunicação entre todos os intervenientes, para perceber qualquer modificação do estado de saúde do idoso e definir a realização de avaliações nutricionais periódicas, pode facilitar a monitorização do estado nutricional.
Por fim, torna-se ainda importante aquando da elaboração de planos de ementas recorrer às recomendações da Direção-Geral da Saúde; fazer uma recolha de pratos apreciados pelos idosos; basear-se nos princípios da Alimentação Mediterrânica, com a inclusão de pratos tradicionais e técnicas culinárias saudáveis; e, conhecer as condições e recursos laborais da instituição, de maneira a identificar que preparações culinárias podem ou não ser incluídas nas ementas. - Como é que os nutricionistas se podem/devem preparar para trabalhar com a população idosa?
Trabalhar com a população idosa deverá ser entendido pelo nutricionista como mais um desafio, sendo ainda uma oportunidade para dar a conhecer os benefícios da alimentação saudável.
Da minha prática profissional, junto da população idosa do Centro Social e Paroquial do Padrão da Légua considero importante referir que a ligação entre a equipa multidisciplinar torna-se fundamental, para permitir ao nutricionista ajustar a terapêutica nutricional. Contudo, é necessária ainda uma preparação prévia deste profissional para lidar, sobretudo, com situações de utentes com demência.
Além disso, sendo uma população normalmente carente devemos estabelecer empatia, envolvendo-os em tarefas que lhe eram familiares. A título de exemplo na instituição em que trabalho surgiu o projeto “Cozinha Terapêutica”, que foi o vencedor do “Concurso Projetos Solidários”, do “Mar Shopping”. Este foi idealizado em conjunto com a psicóloga da instituição, como forma de integrar as pessoas com demência em estados mais avançados, através da confeção de receitas mais saudáveis e de outras propostas pelos próprios. Atualmente, para além do Centro Social e Paroquial do Padrão da Légua sou ainda fundadora da empresa de consultoria em Nutrição e Alimentação, NUTRIDUC, em que presto igualmente serviços de nutrição direcionados à população sénior.